S30 - Ep11.04.14


De cansada, dormi no sofa assistindo Marley & Eu. Acordei bem na parte que me fez abrir o computador. Um sinal. Ha algumas semanas, tenho pensado muito nela. Talvez seja a epoca - ela foi embora ha exatos 4 anos. Talvez seja a solidao - 1 ano e 1 mes de India e menos amigos que uma mao pode contar. Ou talvez seja somente amor.

Baby fez parte da minha vida por longos 9 anos. Me viu na escola, me viu na faculdade. Me viu gorda, me viu menos gorda. Me viu feliz, me viu triste - e, quando isso acontecia, deitava do meu lado, quietinha, como quem queria dizer "segura a perereca que eu to contigo". Me viu chegar sobria, me viu bebada. Me viu chegando de onibus e, como um mecanico, conhecia o barulho do motor do carro quando ainda estava na esquina. Nao sei como o coracao dela resistia a cada vez que o portao da garagem abria - era tanta emocao que ela fazia "xixi nas calcas".

Era amor. Nao importava a hora. 4pm ou 4am. La estava ela, no topo da escada, sambando pra la e pra ca, esperando alguem colocar a cara na porta para dar os primeiros latidos. E nesse momento, se eu fechar os olhos, consigo ouvir as unhas dela arranhando o chao - a melodia do "samba da escada". Batizei de Baby, mas chamava de qualquer coisa - e la vinha ela. Com aquele rabinho pompom, usualmente um lacinho nas orelhas e as patinhas vermelhas, de tanto lamber. So podia ser mesmo minha filha - ansiosa, cheia de ziqui-zira relacionadas ao stress. Era amor.

Sempre magra, babava por pipoca e maca. E frango - ah, frango era a desgraca dela. E minha, pois inacreditavelmente, todas as vezes que ela voltava do pet shop, de banho tomado, branca e escovada, o almoco em casa era frango. Resultado? Lixeira da cozinha revirada, focinho vermelho (do molho de tomate), R$ 60 jogados fora e 34 recem-criados palavroes. E ela? Encolhida, do tamanho de um passarinho, se esfregando pelos cantos. Se pudesse falar, com certeza diria "aham, como se voce tambem nao revirasse a geladeira a noite".

Era amor. Por 9 anos compartilhamos o quarto, e ela nunca reclamou da temperatura do ar condicionado. Tinha a cama dela mas, vez ou outra, enrolada como uma cobrinha, dormia nos meus pes. E ai de quem chegasse perto. De Poodle virava um Rotweiler. E quando a Sarah chegou, durante o dia Baby dava plantao embaixo do berco. Seguranca, ovelha, vovo, hippie, boca de esgoto, magrinha, gordinha, lixo. Era so mudar o tom de voz ou balancar a coleira que la vinha ela, toda faceira, fazendo acrobacias em 2 patas. Era amor.

Ai um dia ela comeu veneno. Nesse dia, eu dirigi tao depressa, que nem os radares conseguiram pegar a placa do carro. A cada pisada no acelerador, eu pedia para ela ficar comigo. Ela, como sempre, atendeu. Ai um dia, a barriga comeu a crescer, as perninhas ficaram fracas e o pelinho ficou ralo. Exames, operacao e barraco no veterinario, quando me foi sugerido "injecao e paz". Voce desiste dos seus filhos quando sabe que ainda tem solucao? Eu nao, disse pra ele. E disse mais, so que isso aqui eh um blog de familia. Quando me deram o diagnostico, rodei a cidade e a internet toda para conseguir o remedio. E achei. So que nao deu mais tempo. E ela foi embora, no meu colo, olhando pra mim como quem dizia "valeu, so que nao da mais". E eu fiquei. Em estado de choque, em estado de luto, em estado de duvida - sera que eu fiz mesmo tudo que podia?

Quem tem um cachorro, tem um amigo. Quem tem um cachorro, tem uma familia. Quem tem um cachorro, tem alegria. Quem tem um cachorro, tem carinho. Nao, nao era amor. Eh amor. Por 4 patas. Por 9 anos. Por toda a minha vida.

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